QUANDO A LEI REGRIDE

  • Giovanni Soletti
  • 04 Junho 2018

Tema de constante evolução em nosso cotidiano, o Direito Ambiental é um ramo recente e vem se destacando nas questões que envolvem a sociedade como um todo, sendo de suma importância, pois tem a missão de proteger o Meio Ambiente – sendo este um bem de uso comum do povo, e dele depende a nossa sobrevivência.

Antes relativizado, o Direito Ambiental foi ganhando notoriedade no decorrer dos anos.

O primeiro grande passo ocorreu em 1972 com a Declaração de Estocolmo, onde este histórico documento definiu uma série de princípios e diretrizes que passariam a reger as questões ambientais a partir de então.

Diante disto, criou-se então no Brasil a Lei nº 6.938/1981 – mais conhecida como a Política Nacional do Meio Ambiente, prevendo uma série de Direitos e Obrigações visando a proteção do meio ambiente.

Mas foi com o advento da Constituição Federativa do Brasil que o Direito Ambiental ganhou uma importância jamais vista anteriormente em nossa legislação, ganhando, inclusive, um capítulo próprio em nossa Carta Magna, com a criação do art. 225, preconizando que: “todos tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (grifo nosso)

Ou seja, a proteção ao bem jurídico ambiental veio inserido na Constituição Federal de 1988, que contempla a sustentabilidade (valores, princípios, instrumentos e objetivos) calcada na proteção e gestão ambiental, tranzendo ainda um caráter multidisciplinar em que o meio ambiente onipresente é requisito essencial a todos os ramos, disciplinas e relações.

E diante desta crescente evolução, mais princípios e diretrizes foram surgindo no sentido de valorizar e preservar cada vez mais o Meio Ambiente, como por exemplo, a ECO/92 e mais recentemente a Lei nº 12.305/2010 – nacionalmente conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Houve uma profunda mudança com a ascensão das questões que envolvem o meio ambiente, não somente no aspecto legal/doutrinário, mas sobretudo, no aspecto cultural, ao passo que, neste sentido, o homem deixou de ser, exclusivamente, o bem a ser tutelado, dividindo as atenções com o meio ambiente.

Em outras palavras, o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter um conceito ecocentrista, onde o meio ambiente passou a ser o bem jurídico protegido, com Leis rígidas prevendo punições severas a todo aquele que infringir estas Leis.

Esta introdução histórica acerca do Direito Ambiental fez-se necessária, pois dela podemos notar o quanto este ramo do nosso ordenamento jurídico vem passando por profundas e importantes transformações, estando em franca evolução.

Entretanto, por vezes somos surpreendidos negativamente por ocasião de Leis que acabam sendo sancionadas/promulgadas, representando uma regressão, uma verdadeira involução ao Direito, indo completamente na direção oposta daquilo que entendemos como sendo um caminho natural, seguro e evolutivo das questões que envolvem o meio ambiente.

Em data de 16 de janeiro de 2018 foi publicada no DOE (Diário Oficial Eletrônico) do Estado de Santa Catarina a Lei Estadual nº. 17.479/2018.

Esta Lei, criada com amparo em um conceito deturpado de “sustentabilidade”, autoriza o uso de ADF (Areias Descartada de Fundição) na produção de concreto asfáltico; de concreto e argamassa para artefatos de concreto; à fabricação de telhas; tijolos e outros artigos de barro cozido para artigos em cerâmica; ao assentamento de tubulações e de artefatos para pavimentação, base, sub-base, reforço de subleito para execução de estradas, rodovias, vias, urbanas.

A publicação desta Lei representa algo além do título desta matéria, não sendo apenas uma regressão às leis de proteção ao meio ambiente – é a representação escancarada de uma medida inconstitucional e, acima de tudo, temerária!

As ADF´s possuem em sua composição metais pesados e fenol, elemento tido como extremamente cancerígeno.

Historicamente, com o advento dos princípios e leis que regem o Direito Ambiental, o descarte destas areias eram realizados somente em aterros industriais e/ou sanitários, cujo objetivo era o de fazer uma destinação adequada, a fim de que pudesse evitar que este material se propague no solo e cause danos ao meio ambiente e a coletividade.

Era impensável, outrora, que as autoridades públicas permitissem o uso destas ADF´s de outra forma, ante a toxicidade e o perigo que elas representam para a população e o meio ambiente como um todo.

Por isso, causa-nos estranheza que o Estado de Santa Catarina, amparado em um falso sentimento de “busca pela sustentabilidade”, tenha autorizado que este material, extremamente tóxico, possa ser utilizado, agora, na fabricação de concretos, tijolos e etc.

O contato direto deste material em área sem impermeabilização acarretará, invariavelmente, através da ação do tempo e do clima, em contaminação do solo e das águas subterrâneas, uma vez que este material irá sofrer processo de lixiviação, deixando a população à mercê de ingerir água repleta de metais pesados e fenol.

Além dos aspectos ambientais e de saúde pública, causa-nos também estranheza o fato desta Lei ter sido publicada, uma vez que, além de ser inconstitucional, vai totalmente na contramão dos princípios que regem o Direito Ambiental.

Além dos aspectos ambientais e de saúde pública, causa-nos também estranheza o fato desta Lei ter sido publicada, uma vez que, além de ser inconstitucional, vai totalmente na contramão dos princípios que regem o Direito Ambiental.

Nas outras áreas do Direito, a legislação normalmente é interpretada de forma extensiva, ou seja, onde não existe uma vedação/proibição legal, é permitido ao cidadão que ele haja de uma determinada forma ou tenha determinada ação. A grosso modo, é o mesmo que dizer: “Aquilo que não é proibido está permitido”.

Entretanto, no Direito Ambiental, em razão do seu bem jurídico protegido (meio ambiente, comunidade, fauna, flora e etc.), prevalece o princípio da interpretação restritiva.

Isto equivale a dizer que: se não existe uma norma permissiva, ou seja, que autorize a adoção de alguma medida ou ação, significa que ninguém está autorizado a realizar nenhum ato que possa vir a prejudicar o meio ambiente. Neste caso, e também a grosso modo, vale dizer que: “Aquilo que não é permitido está proibido”. Trata-se, portanto, de uma lógica inversa e necessária.

Ainda, no que tange a hierarquia das normas, o Direito Ambiental preconiza que uma norma de nível estadual jamais poderá ser mais permissiva que uma norma federal.

Como vimos, a Constituição Federal trouxe uma série de diretrizes e obrigações para sociedade como um todo, onde determina expressamente que: “é dever da coletividade e do Poder Público proteger e defender o meio ambiente, preservando-o para as presentes e futuras gerações”.

Ou seja, trata-se portanto de uma Lei inconstitucional, extremamente permissiva e temerária, onde os reflexos da utilização das ADF´s, na forma como a Lei foi aprovada, deverão ser notados em um curto espaço de tempo.

O uso das ADF´s nestas condições acarretará consequências terríveis para a coletividade local e suas futuras gerações, bem como, uma série de responsabilidades para toda cadeia, desde o gerador deste tipo de resíduo, passando pelas fabricantes destes matérias e pelas autoridades públicas que conceder as respectivas licenças ambientais para este propósito.

Diariamente, procuramos evoluir de diversas maneiras. Buscamos a evolução como seres humanos, como sociedade, buscamos a evolução pessoal e profissional, a evolução intelectual, política e a evolução nas questões que envolvam o meio ambiente (crescendo em um ritmo avassalador).

Entretanto, lamentavelmente, situações como esta, que são objeto desta matéria, nos faz refletir profundamente se não nos encontramos em uma encruzilhada, onde a evolução e a idade das pedras encontram-se lado a lado, com o homem médio envolto em um cenário de introspecção e dúvida sobre qual o caminho correto a ser seguido.

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